quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Uma página em branco

Nem todos os cantos de todos os anjos poderiam revelar os mistérios guardados em uma página em branco.
Reconheço que uma moldura e uma tela nua também têm seu valor. Quem dirá o bloco branco de mármore o que esconde, será um David ou uma Vênus.  Mas não têm o mistério que guarda uma página em branco.
                Não, porque a alma do escultor é sólida. Toma forma na pedra dura. Mas a alma do escritor não toma forma, mesmo que colocada em sua obra. Ela chega ainda moldável e volátil à mente do leitor, onde encontrará como uma semente a terra, o seu pensamento.
E ao sentar-se diante de uma mesa pronto pra colocar em linhas o que já se imaginou um milhão de vezes o escritor mostra aquilo que o inspirou. Mas, como num gesto de graça, deixa a porta aberta e o vento do campo não deixa seu ânima tomar forma fixa. Permanece em estado alterável, pronto para se encaixar na mente em que irá morar quando for traduzido pelos olhos. E será menos entendido por sua razão do que admirado, quando tomar o seu merecido banho de lágrimas no coração.
Porque o artista coloca na mão a sua alma, o seu coração. De suas mãos, através dos dedos, seu espirito escoa, derrama-se no papel, como água sobre a mesa escura. E, uma vez escritas as palavras, impossível saber para que lado irão dentro da mente do leitor.
Qual será o processo pelo qual retornarão ao estado de ideia original?
O que define este processo é o talento do leitor. Não para imaginar, mas para ler nas entrelinhas a pureza da página em branco. Ela guarda a imaginação do escritor.
Grande será o leitor que puder ver a criatura bem ao lado do criador. Palavra escrita lado a lado com aquela imaginada, mas omitida. Este verá no espaço entre cada palavra o branco instigar seu pensamento, vencer as barreiras do que foi escrito para fazer nascer uma nova ideia. Descobrir os maravilhosos mistérios que se encontram na ideia original e compreender que as palavras dão somente uma interpretação de um pensamento, mas que este pode estender-se ao infinito.
Ter o dom de ler abre as portas da imaginação. Os minutos passados em tão boa companhia reanimam o sentimento e despertam o coração. Companhia essa que se faz com um bom livro, seja de prosa ou poesia, de amor ou melancolia.
Mas na alma do leitor há sempre uma felicidade, desde que seja arte o escrito. Porque conhece como poucos que tudo vai além do que se diz. E que tudo vai além do que se pensa. Basta entender o universo contido em cada página. Em cada página em branco.

4 comentários:

  1. Querido amigo,

    Parabéns pelo blog. Seu texto me fez lembrar de uma frase curta, que foi dita num determinado contexto, mas que tem em essência o mesmo sentido: "o bem sabe é quem recebe". Bem legal perceber a fluência do seu pensamento e o tom reflexivo da mensagem. A gente consegue dar uma espiada no seu coração e na sua forma de ver a arte. Não deixe as teclas descansarem muito. Manda mais, mano!

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  2. Davi, gostei! Grata por compartilhar suas ideias e textos! Concordo com o Almir, nao deixe as teclas descansarem muito! Ate breve! :)

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  3. O talento do leitor.. a imaginação do escritor.. gostei da inversão deste olhar, da mudança de foco, mostrando o essencial de se observar e sentir, a arte sob diferentes pontos de vista do momento inicial..a página em branco! Gostei do texto e da iniciativa!
    Vou ver se me animo pra escrever mais no meu tb! rsrs
    Inté!

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  4. É a página em branco velha amiga-inimiga, no seu caso são palavras, no meu formas...
    Logo quando vejo uma dá um frio na espinha, um medo de fazer feio. E se o desenho ou pintura não ficar boa?
    Começo a rabiscar e não se sabe no que vai dar se as linhas vão ficar suaves ou duras, as curvas e nuances, as sombras e luzes.É como se fosse uma dança, desce, sobe, de um lado para o outro, vira, desvira, gira... dançando o lápis vem formando imagens que vem de dentro para fora, um pedaço de mim, um pedaço Dele.
    É amigo vida de artista é assim, se pára enferruja e dentro de si fica vazio.
    Té mais,
    :)

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